quinta-feira, abril 13

(...)cartando responsabilidades

Transtorno!
Vai uma pessoa a uns jantares e, Pimfas!, espetam-lhe com mais um blog. Que fazer? Que mais inventar. Nada! Vou comprar tudo feito. Li (vejam lá) hoje (ainda por cima) um pequeno conto que me remeteu (vá-se-lá (vacila, no original) saber porquê), para os nossos jantaris(os). Não, não tem nada a ver com nada, mas ainda assim... Depois destes interlúdios dezinformais vou-me espalhar ainda mais. (esperem lá um pouco, deixem-me rever o texto... se consigo introduzir alguma redundância,... náá, só no estilo.
Aqui vai, entonces, uma grande posta de pescada. Se preparem: Uhnnnuhu! (Quem conseguiu chegar até aqui, pois, espera-lhes uma comprida surpresa.)
Anuncio desde já! -- O pseudópede - fiel à sua natureza - só irá apresentar textos originais!... mas de outras pessoas.
«(...), e quando de repente o vento cessou e o Sol se pôs pelo menos duas vezes maior (quer dizer, mais morno, mas de facto é o mesmo) sentei-me no parapeito e senti-me tremendamente feliz na manhã de domingo.
Entre as muitas maneiras de combater o nada, uma das melhores é tirar fotografias, actividade que deveria ensinar-se muito cedo às crianças, pois exige disciplina, educação estética, golpe de vista e dedos seguros. Não se trata de espreitar a mentira como qualquer repórter, e apnhar o estúpido perfil da grande personagem que sai do n.º 10 de Downing Street, mas, de qualquer modo, quando se anda com a câmara tem-se o dever de estar atento, de não perder esse brusco e delicioso reflexo de um raio de sol numa velha pedra, ou a corrida com as tranças ao vento de uma garota que volta com o pão ou uma garrafa de leite. Michel sabia que o fotógrafo opera sempre com uam alateração da sua maneira pessoal de ver o mundo para outra que a câmara lhe impõem insidiosa (agora passa uma grande nuvem quase negra), mas não o desconfiava, sabedor de que lhe bastava sair sem a Contax para recuperar o tom distraído, a visão sem enquadramento, a luz sem diafragma nem 1/250. Agora mesmo (que palavra, agora, que estúpida mentira!) podia ficar sentado no muro sobre o rio, vendo passar as barcaças negras e vermelhas, sem que ocorre-se pensar fotograficamente as cenas, deixando-me simplesmente ir no deixar-se ir das coisas, correndo imóvel com o tempo. E o vento já não soprava.
Depois segui pelo Quai de Bourbon até chegar à ponta da ilha, cuja íntima praceta (íntima por ser pequena, e não por ser recatada, pois oferece o peito todo ao rio e ao céu) me agrada e torna a agradar. Nela se encontrava apenas um par e pombas, naturalmente; talvez uma das que passam agora, pelo que vejo. De um salto instalei-me no parapeito e deixei-me embrulhar e atar pelo sol, entregando-lhe o rosto, as orelhas, as duas mãos (guardei as luvas no bolso). Não tinha vontade de tirar fotografias, e acendi um cigarro para fazer qualquer coisa; creio que na altura em que aproximava o fósforo do cigarro vi pela primeira vez o rapazinho.
O que eu tinha tomado por um par parecia-se muito mais com um rapaz e a mãe, apesar de saber ao mesmo tempo que não se tratava de um rapaz com a sua mãe, que era um par no sentido que damos sempre aos pares quando os vemos apoiados nos parapeitos ou abraçados nos bancos dos jardins. Como não tinha nada que fazer, sobrava-me tempo para perguntar a mim próprio porque motivo o rapazinho estava tão nervoso, tal um pequeno potro ou uma lebre, metendo as mãos nos bolsos, tirando primeiro uma e depois a outra, passando os dedos pelo cabelo, mudando de posição e sobretudo porque estava com medo, pois isso se adivinhava em cada gesto, um medo sufocado pela vergonha, um impulso que o impelia para trás e que se notava, como se o seu corpo estivesse preste a fugir, contendo-se num último e lastimoso pudor.
Tão claro era tudo isso, à distância de cinco metros -- e estavamos sós contra o parapeito, no extremo da ilha --, que a princípio o medo do rapaz não me deixou ver bem a mulher loura. Agora, pensando a coisa, vejo-a muito melhor nesse primeiro momento em que lhe vi a cara (de repente tinha girado como um catavento de cobre e os olhos, os olhos estavam ali), quando compreendi vagamente o que podia estar a acontecer ao rapaz, e disse para mim que valia a pena comtinuar a olhar (o vento levava as palavras, os simples murmúrios).
(...) [Estão a curtir?? só mais um bocadinho, no fim tem a surpresa do princípio (literalmente).]
Do rapaz recordo mais a imagem do que o verdadeiro corpo (isto entender-se-á depois), enquanto agora estou certo de que da mulher recordo muito melhor o corpo do que a imagem. Era magra e esbelta, duas palavras injustas para dizer o que ela era, e vestia um casaco de peles quase negro, quase comprido, quase elegante. Todo o vento dessa manhã (agora limita-se a soprar e não fazia frio) lhe tinha passado pelos cabelos louros que emolduravam uma cara branca e sombria - duas palavras injustas -- e deixava o mundo suspenso e horrivelmente só diante dos seus olhos negros, os seus olhos que caíam sobre as coisas como duas águias, dois saltos no vácuo, duas rajadas de lodo verde. Não descrevo nada, tento sobretudo entender. Disse duas rajadas de lodo verde.
(...)»
Gostaram? Querem mais? O início, então:
«Nunca se saberá como se deve contar isto, se na primeira pessoa ou na segunda, usando a terceira do plural ou inventando continuamente formas que de nada servirão. Se se pudesse dizer: eu viram a Lua subir, ou: tu a mulher loura eram as nuvens que vão correndo diante dos meus teus seus nossos vossos deles rostos. Que diabo!»
in «Blow-up», Julio Cortázar, (n.º 394 livros de bolso europa-américa).

1 Comments:

Blogger Goiaoia said...

És uma Querida, Quinqui. E óbrigado pelas limpezas.

15 abril, 2006 15:59  

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